domingo, 22 de setembro de 2013

2002: o ano em que o time da sopa levou o Paraibano

Atlético de Cajazeiras, campeão Paraibano de 2002
A história que segue nesta postagem foi contada pelo companheiro de redação no O POVO, Aflaudisio Dantas. Sem demorada apresentação, trata-se do relato de um paraibano, nascido e criado em Cajazeiras, sobre a maior conquista do seu time de coração. Um causo de perrengue, trincar de dentes e glória inesquecível. Futebol.

2002: A saga do time da sopa

O ano de 2002 tinha tudo para ser o mais tenebroso da história do Atlético de Cajazeiras. Sem grana, o presidente abandonou o clube
no meio da
temporada e jogadores, por vezes, tiveram que se contentar com uma dieta a base de sopa. Foi nesse cenário precário que o Trovão Azul do Sertão- como o chamamos carinhosamente – conseguiu o maior feito de 54 anos de existência: ser campeão estadual. Eu tive o privilégio de ser testemunha ocular dessa história, nos meus nem tão longínquos 15 anos de idade.

O presidente do clube, que também era vice-prefeito da cidade, padre Francivaldo Albuquerque (sim, era mesmo padre) ia precisar orar muito para o clube não ficar no vermelho. A folha salarial não passava de R$ 10 mil. Mas as receitas eram ainda piores. Comentava-se que o patrocinador master pagava R$ 3,5 mil para estampar sua marca na camisa. Eu achava aquele valor um insulto e me perguntava se o time não conseguia mais por falta de interesse dos empresários, ou por incompetência dos dirigentes.

A decadência financeira ficou escancarada num episódio envolvendo um atacante recém contratado. Ronaldo Falcão chegou ao Atlético com a missão de ser o goleador e comandar a equipe rumo ao título. Cacife para a missão ele tinha. Dois anos antes havia sido campeão paraibano com o Treze, tornando-se um dos artilheiros do campeonato. Em dois jogos, Falcão marcou quatro gols, três deles na goleada de 8 x 0 sobre o Esporte de Patos. Por causa dele, os atletas do Esporte quase voltaram para casa a pé. “Se tomar mais um gol vão voltar pra Patos andando”, ouvi o presidente do clube afirmar na rádio Difusora ainda durante a partida.

O problema é que o Trovão não tinha condições de manter o atacante. Ronaldo Falcão, assim como o resto do elenco, sequer tinha recebido o ‘bicho’ pela goleada em cima do Esporte. Impaciente, ele tomou uma decisão que pegou a todos de surpresa. Ouvindo o programa Antena Esportiva, na rádio Difusora, descobri que o jogador tinha ido embora e levado junto a televisão da sede do clube. Nunca mais ouvimos falar dele e eu temia que outros jogadores seguissem o exemplo de Falcão.

Todo dia, a crônica esportiva local, tão apaixonada pelo clube quanto eu, trazia algum novo lamento. A gota d’água, literalmente, foi o corte no fornecimento de água e a falta de alimentos na sede do clube. A sede era uma casa que os dirigentes alugavam para alojar os atletas. Saia mais barato do que pagar um hotel. Mas a cozinheira não tinha o que botar nas panelas. Foi nesse contexto que o time ganhou uma alcunha nada honrosa: Time da Sopa. Francisco Alves (Tatico), narrador que eu sempre acompanhava durante os jogos, fez uma campanha no seu programa de rádio para levantar uma verba para o clube. Mas, o dinheiro arrecadado só deu pros jogadores jantarem sopa. Assim foi até o final do campeonato.

A grande verdade é que a ‘liseira’ era uma constante no Atlético. Já na Série C daquele ano, que também pude acompanhar, o atacante Vivi, jogador muito conhecido na Paraíba no final da década de 1990, foi até a rádio Difusora de Cajazeiras pedir dinheiro à torcida. A verba arrecadada seria para fazer sua inscrição junto à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), pois o Atlético não tinha condições de efetuar o pagamento.

A locomoção também era um problema. Não raro, dirigentes, comissão técnica e até jogadores iam às rádios fazer campanha junto à torcida para custear o combustível das viagens. Já o trajeto da sede até o campo de treino, ou até o estádio, quando o jogo era em Cajazeiras, era feito no ônibus do seu Carioca. Um Mercedes 74, cujo para-brisa era uma lona de plástico transparente. Para assistir os jogos do Atlético sem pagar, eu ia junto com o time nesse ônibus. Afonso, meu vizinho, e massagista do clube há mais de 20 anos, me dava algumas bolsas para que eu levasse, e assim, me passava por membro da delegação.

Retomada e glória

Na medida em que o campeonato ia chegando nas fases finais, o aperto financeiro sufocava mais o clube. Até que um dia, o padre Francivaldo achou que tinha pago todos os seus pecados e simplesmente deixou de comparecer ao clube. Não lembro se ele entregou o cargo formalmente, mas o fato é que todas as questões, dos treinamentos à burocracia administrativa, ficaram sob responsabilidade do técnico Tarsiano Gadelha e do preparador físico Eduardo Silvestre.

Isso ocorreu no final da primeira fase do campeonato. Sem rumo, o time conseguiu às duras penas classificar-se para o hexagonal final. A classificação veio numa repescagem disputada com o Auto Esporte. Não só eu, como todos os meus amigos torcedores víamos com esperança aquela classificação com um gol marcado aos 43 do segundo tempo. Foi a primeira vez que vislumbrei a possibilidade do título, mesmo com o time sem dinheiro e há poucos dias sem presidente.

A sensação de abandono gerada pela saída do presidente foi uma injeção de ânimo, por incrível que pareça. Salvo um ou outro jogador, que acabava indo embora, o elenco permaneceu unido e determinado a provar que tinha valor. Já na fase final do campeonato, durante uma matéria para a TV, o repórter perguntou ao técnico Tarsiano Gadelha qual era o segredo para um time sem dinheiro e com um elenco tão modesto conseguir brigar pelo título. A resposta do técnico foi emblemática: “não é segredo, é força de vontade e sangue no olho”.

O ápice foi o clássico contra o Sousa. A torcida estava engasgada com o Dinossauro. Já tinham sido três jogos naquele campeonato e três derrotas. Era a chance da redenção. Não era apenas uma questão de revanche. Era a sobrevivência na luta pelo título que estava em jogo. A equipe poderia assumir a liderança do campeonato faltando uma rodada pro encerramento do hexagonal final. Ainda me lembro do momento em que a bola sobrou marota dentro da pequena área nos pés de Nino Baiano, o homem que assumiu o posto de goleador com a saída de Ronaldo Falcão. Ele chutou do jeito que a bola veio. Foi no cantinho, rasteiro, sem chance para o goleiro Pacato. Em seguida o Trovão fez o segundo, e, com a combinação de resultados o Atlético assumiu a primeira colocação.

O último jogo seria no Perpetão. O gigantão das capoeiras estava lotado. Nesse dia, eu não consegui ir junto com o time, mas nem por isso ia perder aquela partida. Era o jogo da vida de todos os atleticanos. Haveria uma preliminar entre dois clubes amadores da cidade, antes da partida entre Atlético e Campinense. Um dos jogadores era conhecido meu e propôs que eu entrasse no campo de jogo junto com eles e ficasse servindo de gandula. Quando a partida preliminar acabou, me aproveitei do pouco policiamento e escalei o alambrado. Depois foi só procurar um lugar na arquibancada para me acomodar, mas o estádio estava super lotado.

Foi nas pontas dos pés que assisti uma partida que não houve. Minutos antes da partida soubemos que o Campinense não viria. A raposa estava disputando uma seletiva para o Campeonato do Nordeste e entre o jogo da seletiva e a partida em Cajazeiras havia somente um intervalo de 48 horas. Como o Campinense não tinha mais chances de ser campeão, resolveu não cumprir tabela e o Trovão venceu por W O. O time saiu em carreata puxada pelo ônibus de seu Carioca, que chegou a engasgar e parte dos jogadores se juntaram a torcedores para empurrar. Mas naquela altura do campeonato nada mais importava, como ficou claro nas palavras do técnico Tarsiano Gadelha em entrevista, assim que ficou decretado o título: Mamãe, somos campeões da Paraíba!

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